Eu quero ser pro meu sobrinho o que minhas tias foram pra mim: pessoas que conquistaram o impossível. Que me mostraram que o mundo era gigante e belíssimo e cheio de possibilidades, e que mesmo que estivessem lá explorando esse mundo, elas também estavam sempre por aqui, do meu lado.

Caetano, meu sobrinho, nasceu hoje.

Vó Geni

Eu tava pensando na minha avó hoje, em como as pessoas desaparecem. Ela morreu há mais de uma década, e a voz dela não passa de um eco bem distante na minha cabeça.

Eu ainda lembro coisas que ela me falava, e eu lembro do tom de voz que ela tinha. Era uma voz profunda e pesada, boa pra ouvir quando ela me acordava ou me fazia dormir.

Mas eu não lembro da voz dela em si? Eu lembro de traços dessa voz, e não tem nada no mundo que traga esse som de volta. eu não tenho vídeos dela pra ouvir, essa voz não existe mais…

Várias coisas me lembram a voz dela. As músicas da Nina Simone me lembram do tom de voz dela, o livro que eu tô lendo agora me lembra o jeito que ela falava. Mas são só esses traços dela. Nem mesmo um fantasma, uma sombra de verdade. É mais uma fumaça de memória.

Eu nunca senti falta dela até muito recentemente. Em pensar que ela simplesmente não me conheceu, pelo menos não como eu sou hoje, me parte o coração. Eu queria que ela tivesse me visto crescer, tivesse visto que eu ia dar um jeito. Eu acho que ela ia ter gostado.

A Toalha

Eu já sabia. Eu soube quando ele chegou na minha casa e me beijou, e eu senti o cheiro de um creme de barbear que ele não usa. No modo quase desesperado que ele quis me agradar, algo que ele não faz porque sabe que não precisa fazer. Eu só confirmei quando vi a toalha pendurada na maçaneta do quarto dele, uma mancha escura no meio dela. Foi com ela que ele secou o outro, minutos antes de ir jantar comigo na minha casa. Agora, ela tá ali, olhando pra mim.

Eu vou lembrar desse detalhe mais do que eu vou lembrar do que eu senti quando eu vi ela — a tristeza profunda de não ser com quem tu queria passar aquele momento que ele decidiu passar com algum outro cara. Essa tristeza vai passar com os dias, e talvez na semana que vem eu não vou lembrar mais dela. O meu carinho vai ficar, o carinho pelos momentos que ele quer passar comigo. As manhãs de meio de semana, as tardes de fim de semana. Ele prefere passar algumas horas com outros, as vezes até dormir com eles. Mas ele me procura para caminharmos numa tarde de domingo, pra fazer uma janta depois do trabalho.

Eu vou lembrar da toalha, assim como eu vou lembrar dos ladrilhos verdes que cobrem a parede do prédio vizinho, onde a luz do quarto em que eu fico deitado com ele rebate suavemente conforme a noite chega. Eu vou lembrar da textura da pele nas costas dele, onde eu sei posicionar cada erupção e cada covinha, em que eu passo meus dedos bem suavemente quando ele dorme com a cabeça apoiada nos meus braços. Eu vou lembrar do cheiro do caldo de moranga que ele prepara antes da janta. Ou da forma como ele calcula a mesma quantidade de vinho em cada uma das taças. Ou de como ele olha pra mim quando eu chego com a xícara de café pra ele na cama. Ele nunca pega ela das minhas mãos. Ele espera eu sentar ao lado dele com a minha para então tomar um gole junto comigo.

Eu não sei quanto tempo eu vou conseguir aguentar. Por um lado, eu sou apaixonado por ele e por esses momentos cheios desses pequenos detalhes. Por outro, porém, eu sinto que a curiosidade dele em se encontrar com outras pessoas e o perigo de ser descoberto por alguém (dessa vez, por mim) é algo muito mais interessante para ele do que qualquer carinho ou cuidado ou afeto que a gente possa compartilhar. Quando a gente tá junto, e esses pequenos detalhes enchem meu coração e a minha cabeça, parece que eu vou aguentar sempre. Quando ele desaparece, e volta horas depois com algum imprevisto, com algum cheiro diferente, com alguma desconfiança, meu coração se parte. “Ah, não era comigo que ele queria ficar agora…”, eu fico pensando.

E então esse pensamento vai desaparecendo aos poucos, conforme os dias e o nosso convívio o afogam em outros pequenos momentos. Eu acho que vou esquecer desse conforto do convívio e do carinho, também. Eu vou ficar com a memória da toalha, da pele, dos ladrilhos, do balanço dos dedos dele no controle remoto. Coisas que eu posso transformar em histórias depois, e tirar de dentro de mim. Que é algo que, eu tive que ouvir do meu terapeuta, é o peso de ser um escritor. Eu vou criar todas essas possibilidades e todas essas histórias na minha cabeça, porque ela guarda todos esses pequenos detalhes e os enche de possibilidades. Algumas, é melhor escrever e deixar por aí, do que assombrando os lugares que eu passei e que, daqui um tempo que eu espero que não demore muito, eu não vou estar mais.

22nd Century

There is no oxygen in the air
Men and women have lost their hair
Ashen faces legs that stand
Ghosts and goblins walk in this land
When tomorrow becomes yesterday
And tomorrow becomes eternity
When the soul with the soul goes away beyond
When life is taken and there are no more babies born
And there is no one and there is everyone
When there is no one and there is everyone

Tomorrow will be the 22nd century
Tomorrow will be the 22nd century
Tomorrow will be the 22nd century
It will be, it will be, it will be ahh

21st century was here and gone
And the 20th century was the dawn
The begining of the end was the 21st
When the 20th century was at an end

1990 was the year when the plagues struck the earth
1988 was the year when men and women
Struck out for freedom
And bloodletting was the thing that was

People said there was no god
And there was no reason
And there was no cause

1972 was right all the way
Drums and bugles blasting all though the day
Right wing left wing middle of the road
Side winder backswinger backlash whiplash
Race stockings red stockings
Liberation of women liberation of men
Everybody carrying a heavy load

Tomorrow will be the 22nd century
Tomorrow will be the 22nd century
Tomorrow will be the 22nd century
It will be, it will be, it will be
It will be ahh

Liberation of animals
Prevention of cruelty to animals men and beast
Flying and on flying flying things
Revolution of music poetry love and life
Sex change change change
Man is woman woman is man
Even your brain is not your brain
Your heart is a plastic thing which can be bought
There are no more diseases which can be caught

Man became the thing that he worships
Man today became his god
That was the day that man and woman truly became bored
Man became his good
Man became his evil
Man became his god
And man became his devil

Tomorrow will be the 22nd century
Tomorrow will be the 22nd century
Tomorrow will be the 22nd century
It will be, it will be, it will be ahh

Young women without money caught
Big dogs living in marble lofts
Young men die in spring
Boys of 7 falling in love
Give that lady fair a diamond ring
Wedding wedding wedding wedding
No a wedding ain’t the thing
Don’t want no preacher
Don’t want no preacher man preachin
Give me your hand and take my hand
This is better than anybody’s preacher man
Truth
Truth is now unfold
It says 7 years
7 years so I am told
Don’t sway me over
Don’t try to sway me over to your day
On your day
Your day will go away

Tomorrow will be the 22nd century
Tomorrow will be the 22nd century
Tomorrow will be the 22nd century
It will be, it will be, it will be ahh

Oh tomorrow will be the 22nd century
It will be, it will be, it will be
It will be, it will be, it will be, it will be, it will be

Performance de Nina Simone para uma música de Exuma.

brooklynmuseum:

The monumental, solitary figure of a cloaked shepherd, sunlight framing his head like a halo, stands watch over his flock of sheep in the French countryside. Jean-Francois Millet’s dignified yet unglorified depictions of the rural laborers near his home were popular in France and the United States, where urban audiences perceived them as peaceful, spiritual, and nostalgic. 

Other viewers saw in their realism unadorned visions of contemporary poverty. A few years after the Civil War, one American writer described Millet’s paintings as portraying “the patient, hopeless weariness of the overtasked workman… .we saw the unpaid slave of our country, the pauper workman of France and England.” 

📷 Jean-François Millet (French, 1814-1875). Shepherd Tending His Flock, early 1860s. Oil on canvas. Brooklyn Museum, Bequest of William H. Herriman, 21.31

“To be alone for any length of time is to shed an outer skin. The body is inhabited in a different way when we are alone than when we are with others. Alone, we live in our bodies as a question rather than a statement.”

— David Whyte, Consolations: The Solace, Nourishment and Underlying Meaning of Everyday Words

leonardospoetry:

So much of our suffering is about resistance. Accepting our struggles for what they are, without overthinking them, can be incredibly liberating.

Let it happen. And then let it go.

“Deixe acontecer, e então deixe ir embora”.

Em setembro de 2019 eu estava esperando uma sessão na cinemateca Paulo Amorim, na Casa de Cultura Mario Quintana. Lá tem uma discoteca — literalmente uma biblioteca de discos — que tava tocando a trilha-sonora de Betty Blue, um dos meus filmes favoritos.

Foi uma memória bacana que eu tive hoje, um momento inusitado. A Vivi tinha morrido há menos de um mês, e essa foi a primeira vez em que algo inusitado aconteceu.